segunda-feira, 4 de maio de 2015

A importância do brincar na aprendizagem

Escrito por Lílian de Almeida P. B. *

“Dize-me como brincas e te direi... como tu és”.


Há algum tempo atuando na clínica psicopedagógica, percebo a necessidade de refletir com os pais, educadores, e outros interessados a importância do brincar na construção do conhecimento. As brincadeiras fazem parte do patrimônio lúdico-cultural, traduzindo valores, costumes, formas de pensamentos e aprendizagens. O brincar fornece à criança a possibilidade de ser um sujeito ativo, construtor do seu próprio conhecimento, alcançando progressivos graus de autonomia frente às estimulações do seu ambiente. É dentro desse contexto, que o lúdico possibilita o falar, o ouvir, a livre escolha, a criatividade, a cura, a transformação...

Na Pedagogia Waldorf, criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), o brincar é o principal conteúdo na pré-escola. Desse modo, a criança desde pequena vivencia ricamente a sua imaginação e a fantasia, através das brincadeiras de roda, bonecas de pano, contos de fada, além de pintar, modelar, cantar; dentre outras atividades, que são importantes elementos para a formação das forças criadoras da personalidade. Para Heydebrand (1996),“deveríamos evitar nessa idade toda atividade intelectual; e não-artística, de caráter abstrato e alheia à vida real’’. Por meio do brincar, as crianças exploram o mundo com todos os seus sentidos e desenvolvem as primeiras noções de espaço, tempo, textura, temperatura, forma e consistência. Alguns estudos neurofisiológicos relatam que a formação do cérebro e a ampliação do número de sinapses (conexões nervosas) são estimuladas pelo processo natural de brincar.

Segundo Kishimoto (2000), pesquisadora da USP e autora de diversos livros sobre Jogos e Educação Infantil, “a criança procura o jogo como uma necessidade e não como uma distração... (...) É pelo jogo que a criança se revela. As suas inclinações boas ou más, a sua vocação, as suas habilidades, o seu caráter, tudo que ela traz latente no seu eu em formação, torna-se visível pelo jogo e pelos brinquedos que ela executa”.

Certo dia lendo a revista Veja, psicólogos e educadores discutiam sobre o tema, e achei bem oportuno, algumas questões abordadas por eles. Pesquisas americanas afirmam que as crianças educadas precocemente demonstram menos criatividade e menos entusiasmo pela aprendizagem, ocasionando muitas vezes, stress e depressão infantil. Elas alertam ainda, que as crianças precisam ter mais tempo livre para rir ou mesmo para o ócio, e que brincadeiras simples como caça ao tesouro, desenvolvem mais o raciocínio e podem aprimorar a alfabetização, a matemática e outros tipos de conhecimentos.

Por vivermos numa cultura predominantemente tecnológica, percebemos que a criança está perdendo a sua capacidade original de brincar, e em conseqüência disso observo que muitas das dificuldades de aprendizagens estão associadas a estes fatores, pois segundo Oliveira (2007), “a atividade lúdica revela-se como instrumento facilitador da aprendizagem, possuindo valor educacional intrínseco, criando condições para que a criança explore seus movimentos, manipule materiais diversos, interaja com seus colegas e resolva situações-problema”.

No trabalho psicopedagógico, observo algumas crianças apáticas e desinteressadas que brincam pouco e são muito endurecidas tanto física quanto psiquicamente. Elas apresentam dificuldades em se expressar de forma criativa, e de se reconhecerem autoras de suas produções. Outras crianças, incansavelmente querem brincar, mas não conseguem, por excesso de tarefas ou pela ausência de conhecimento dos pais sobre o assunto.

Para que o processo de aprendizagem seja real e objetivamente eficaz, é imprescindível ampliar nossos conhecimentos a esse respeito, e esclarecer aos pais, educadores, e pessoas afins, a importância do brincar na sua essência, como fator decisivo para o desenvolvimento humano, e não apenas como mera discussão intelectual, ou como “coisa do passado”.

Convido você leitor a repensar seus conceitos sobre o assunto: O que eu entendo sobre o brincar? Como foi a minha infância? Como é a de meus filhos? E a escola, tem permitido que os professores brinquem? E os alunos? O que esperar do futuro, se as crianças hoje entram para a escola precocemente?

É de fundamental importância, tomarmos consciência de que a atividade lúdica é uma necessidade da criança, que propicia o seu desenvolvimento físico-motor, emocional, cognitivo e afetivo. Brincando a criança ordena o mundo à sua volta, assimilando experiências e informações, incorporando atividades e valores. O brincar permite que o aprendiz tenha mais liberdade de pensar e de criar para desenvolver-se plenamente.

Em síntese, brincar é aprender, aprender é brincar (deveria ser, pelo menos)...

É conectar-se com o prazer de ser autor, é tornar-se mais humano...


*Pedagoga e Psicopedagoga
Formação em Pedagogia Waldorf, Arte-Educação e Socioterapia

Fonte: http://www.alumiar.com/educacao/39-antroposofia/657-aimportanciadobrincarnaaprendizagem

domingo, 12 de abril de 2015

Festivais - Temas dos Ritmos do Jardim de Infância Waldorf (Maria Chantal Amarante)


As festas das estações do ano são celebrações que nos conectam com o mundo que nos rodeia e com toda a natureza. As festas anuais culturais, espirituais, típicas de cada povo, celebram a junção de forças terrestres e cósmicos. Festivais, da natureza e dos povos, criam comunidades de seres humanos no intuito de comemorar a harmonia do cosmos e da terra, da matéria e espírito. A Natureza está na base da nossa cultura e da nossa sobrevivência. Temos de ajustar a nossa existência, de acordo com as forças naturais, pois ela está profundamente arraigada em nós. Estas festas sazonais marcam a mudança da luz, a relação da Terra com o Sol, a ligação com aquilo que é universal no ciclo do ano. As forças cósmicas se apresentam nas quatro estações do ano. As estações são como a respiração da Terra e ajudam o ser humano na busca do equilíbrio.

No Verão, a alma humana tende a ser mais passiva. A tendência é de ser mais sonhador. O homem recebe a luz que está fluindo para si a partir do cosmos. O mundo espiritual divino revela-se. A luz é a sabedoria espiritual. O intelecto fica mais lento e a alma se abre para a luz e o calor.
No Outono, a terra começa a dormir e o desejo da alma é a de regressar à sua vida interior, de ir para dentro. A alma humana acorda e o homem fica atento ao que está acontecendo no mundo. Neste momento temos que acordar para o conhecimento  da natureza e da atividade espiritual que está por detrás dela.
No Inverno, a Terra já completou a sua inspiração total, e a alma humana faz uma grande interiorização. A tendência é do ser humano se afundar em si mesmo, num sonho dentro do próprio ser. Devemos ficar atentos às trevas. Temos de chamar a terra de volta da escuridão. A escuridão no inverno é a polaridade da Luz do verão, algo que se evapora das forças do calor e da luz do Verão.  Aqui devemos buscar o estudo e a meditação, caminhos do fortalecimento interior e como contraponto os encontros com o outro, as relações sociais mais profundas.
Na Primavera, a alma humana tem a tendência a entrar nas  forças impetuosas da natureza. A chamada para o ser humano nesse período é o de ficar conectado observando a natureza que desabrocha. O convite é verdadeiramente olhar para si mesmo, olhar-se no espelho e olhar a natureza. O dentro e o fora.
Com estas idéias em mente, devemos levar em consideração as necessidades das crianças ao criarmos os temas para as rodas dos festivais na educação infantil e na educação em casa também.
Nas caminhadas diárias na Natureza trazemos a experiência dos quatro elementos: o vento, o calor do sol, a chuva, as poças, a terra molhada, as folhas secas, as sementes, as formigas, o canto dos pássaros, etc. As estações do ano são como uma roda constantemente em movimento.
As festas  espirituais são o portador do espírito dentro das estações do ano, dentro da Terra. O ser humano se desenvolve procurando a harmonia dentro dele e com a Terra, através da sua relação com a natureza e com todos os seres e o cosmo.
As festas cristãs e espirituais, universais ocorrem em todos os tempos da evolução da Terra e da Humanidade, porque expressam um reino para além do plano da Natureza. 
Os impulsos da religiosidade, dos caminhos espirituais que ultrapassam todas as religiões, também estão presentes na Natureza. O espiritual é celebrado, não o especificamente religioso. As celebrações cósmicas e espirituais e as terrenas e da natureza fazem parte da história da evolução da humanidade.
Todas essas imagens devem permear as rodas e as ações do dia a dia do educador da educação infantil, envolvendo imaginativamente as crianças e alimentando sua alma. As músicas folclóricas infantis de cada região e da vivencia cultura de cada povo se entrelaçam com as músicas das celebrações das festas espirituais, cristãs e universais. Pela música o educador incentiva as crianças a participarem nas atividades, envolve-as nas imagens, estimulando o brincar, trazendo a união do Cosmo com a Terra.  São vivencias importantes do momento da criança pequena na relação com suas forças da  natureza e suas forças cósmicas.
Trazer para a criança a vida da Natureza, as suas constantes mudanças e transformações, é um meio de trazer a força motriz da vida da Terra.
Portanto, muito pode ser feito com simples gestos, criatividade e humor, com os temas das estações e das festas anuais.
No planejamento dos festivais, como tema do trabalho a ser desenvolvido no jardim de infância, um clima de antecipação pode ser criado, trazendo algo novo a cada dia, envolvendo as crianças na preparação.
As rodas e os temas de cada época, que organizamos durante o ano escolar no jardim de infância, trazem uma respiração, contração e expansão, interiorização e abertura, movimentos e quietudes, proporcionando um equilíbrio no desenvolvimento da criança. 
Preparar os alimentos, fazer  as decorações, contar os contos, trazer as imagens nas rodas, as músicas nas atividades, isso envolve a todos dentro dos temas escolhidos.
O tema central dos festivais é a luz do sol e das estrelas, o calor e o amor que transformam tudo em luz. Isso traz a magia, permitindo a experiência e a participação do processo de vida, do ciclo anual.  As celebrações são tão universais que ninguém fica excluído. Os festivais falam de cada um e de todos. Celebramos aquilo que é universalmente humano e universalmente cósmico e espiritual.
Evidentemente que cada dia é uma festa no jardim de infância e assim podemos fazer também em nossas casas.
A forma como realizamos as rodas, o ritmo do dia e do mês, com o tema das festas e das estações, faz sentido no curso do ano. A arte consiste em trazer para as crianças a vida da Terra, como seres que acabaram de chegar do cosmo. Sentindo a respiração ritmada, como uma música da Terra e do Cosmo.
Assim podemos trazer os movimentos genuínos nas rodas e canções do jardim. É muito importante ser capaz de imitar os movimentos e sons da Natureza.
No final do dia, após todas as atividades, é hora de ouvir as  histórias, cheias de imagens que alimentam a alma e que também se relacionam com os temas das festas anuais.
Quando os pais chegam, eles esperam no jardim as crianças e então podemos oferecer as canções ligadas aos temas que trabalhamos com as crianças. Cantamos juntos e agradecemos por mais um dia. Assim os pais se envolvem nas imagens e podem levar alegremente suas crianças para casa.
(Texto sobre as festas e rodas do Jardim de Infância -  elaborado por Maria Chantal Amarante, professora de jardim de infância Waldorf)
Fonte: http://www.festascristas.com.br/ciclo-das-festas/577-festivais-temas-dos-ritmos-do-jardim-de-infancia-waldorf-maria-chantal-amarante

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Devagar: crianças (Por Ligia Moreiras Sena)

Podemos estar esquecendo de ensiná-las que nem sempre ausência de atividade é sinônimo de tédio e que, muitas vezes, tédio é apenas falta de um olhar acolhedor sobre o descanso, sobre momentos de tranquilidade em meio à tão conhecida agitação.


O ano corre, as tarefas do mundo adulto se sobrepõem, se acumulam, nos sobrecarregam e a chegada dessa época do ano traz junto a sensação de que "ufa, enfim será possível relaxar", mesmo que por poucos dias.

Fazemos planos de andar pela casa de pijama, ou de deixar o celular no mudo, ou de não responder aos e-mails, ou de acordar bem cedo apenas para saborear lentamente um cafezinho bem passado, ou de dormir até meio-dia, ou qualquer outra coisa que, para cada um de nós, represente um momento de pausa em meio a tantos compromissos, que devoram nosso tempo, engolem nossa energia e nos levam muitas vezes à beira da exaustão, física, mental e emocional.

Nessa correria - e na pausa dela, que as festas representam para muitos de nós - acabamos esquecendo que as crianças também podem estar exaustas. Muitas vezes achamos que, por serem crianças, não se preocupam com nada, não se cansam com tanta facilidade, têm toda a energia do mundo e não precisam de tanto descanso assim, já que não têm "compromissos sérios" ou "grandes responsabilidades".

Mas isso é um grande erro, fruto do "adultismo", um jeito de ver o mundo que supervaloriza o adulto em detrimento das crianças, que as considera menos capazes de decisões sobre si, ou menos conscientes do que se passa à sua volta, ou menos envolvidas na rotina por vezes massacrante de suas famílias, um jeito de ver o mundo que as oprime e as secundariza na ordem do dia.

É o adultismo, inclusive, que faz com que muitas famílias criem para suas crianças uma agenda de compromissos quase desumana, a fim de que desenvolvam habilidades, responsabilidades, organização, foco, meta. Isso tudo com 3, 4, 5, 6 aninhos, ou mais. É claro que esses pais e mães acreditam verdadeiramente que, agindo assim, estão fazendo o melhor para elas, proporcionando experiências ricas, que farão a diferença no futuro e trarão melhores oportunidades.

Então as matriculam na escola tradicional, e na aula de inglês, no judô, no balé, na musicalização, na ginástica olímpica, no piano e em mais uma infinidade de tarefas e compromissos.

Mas a ausência de tais compromissos excessivos também não é sinônimo de vida infantil tranquila e sem cansaços. Crianças que não seguem uma agenda corrida ou extremamente exigente, que podem levar a vida com mais flexibilidade, que não estão inseridas em rotinas tão rígidas, também podem estar bastante cansadas. Isso porque existe um tipo de exaustão tão ou mais importante que a física: a emocional.

Engana-se quem pensa que uma criança estará sempre protegida contra as intempéries ou mudanças vividas por sua família, ainda que a família se esforce muito para protegê-la. Crianças sentem tudo. Podem não saber os detalhes das situações, mas sentem exatamente que algo está acontecendo. Sentem a tensão, vivem a dúvida, sentem o que seus pais e mães também estão sentindo.

E isso não é algo de todo ruim não, pois mostra que a criança é membro ativo e participante daquela dinâmica familiar, que não é apenas um figurante, e que as decisões tomadas também passam por elas - e muitas vezes são pensadas e tomadas justamente em função delas. Mas sempre é importante lembrar: crianças sentem e vivem o que seus pais e mães estão sentindo e vivendo, estão vinculadas a eles - pelo menos espera-se que estejam, e de maneira positiva...-, sentem suas alegrias e angústias, preocupam-se com eles.

Então chegam as férias e festas de fim de ano, que para tantos é sinônimo de brincar, de se divertir, de estímulo, aventura e descoberta. Algumas famílias chegam a planejar dezenas de atividades divertidas e estimulantes para entreter seus filhos. E começa a corrida contra o "tédio infantil". Corra. Brinque. Divirta-se. Chame seu vizinho para jogar bola com você. Vamos para a colônia de férias. Invente novas brincadeiras. Não desperdice seu tempo e seu verão dormindo. Não fique aí parado. Vá andar de bicicleta. Vá jogar seu novo jogo eletrônico, ou testar um novo equipamento. Faça alguma coisa para se divertir. Mantenha-se ativo.

Mas essa associação quase obrigatória entre criança e estímulos - quando acreditamos que é preciso estimular as crianças cada vez mais para que tenham seu tempo preenchido - pode não ser tão positiva quanto se pensa. Podemos estar atropelando as crianças. Podemos estar sobrecarregando quem também precisa descansar.

Podemos estar esquecendo de ensiná-las que nem sempre ausência de atividade é sinônimo de tédio e que, muitas vezes, tédio é apenas falta de um olhar acolhedor sobre o descanso, sobre momentos de tranquilidade em meio à tão conhecida agitação.

Crianças precisam descansar. Física e mentalmente também, mas principalmente emocionalmente. E as férias são ótimos momentos para isso. Elas precisam ficar sem fazer nada. E entenda que o "nada" aqui não tem a conotação de "ficar parada em frente à tv, computador ou qualquer outro eletrônico". Tem, isso sim, conotação de CONTEMPLAÇÃO. Contemplação, descanso, relaxamento, tranquilidade. Dormir o quanto quiser. Proporcionar conversas tranquilas e agradáveis com elas. Preparar um café da manhã com calma, paz e tranquilidade, junto com elas. Não soterrá-las em brinquedos mil. Curtir uma preguicinha juntos. Contar histórias "de cabeça", inventar algumas, e não apenas seguir roteiros prontos ou livros de histórias. Observar o mundo ao redor. Calmamente.

É preciso ensinar as crianças a valorizarem seu tempo livre, seu tempo ocioso. E mostrar que é também na ausência de atividades que elas podem se conhecer melhor, se observar, entrar em contato com elas mesmas.

Crianças são esponjas humanas. Absorvem tudo ao seu redor, inclusive durante momentos de tensão ou de dificuldades. Elas também se sobressaltam. Elas também ficam exaustas. Elas também precisam descansar, relaxar, contemplar, ficar de pernas e papo para o ar, ouvir o silêncio que vem de si mesmas e desenvolver uma boa relação com isso. Ensinar as crianças a bem acolherem seus silêncios internos, a bem se relacionarem com os momentos de ócio, é ensinar um futuro adulto que ele não precisa fugir de si ou ter medo de estar sozinho. Que calmaria não significa ausência. Que não é preciso ir atrás de pessoas e aventuras a todo custo. E que contemplação dá um significado ainda mais especial à vida.

Estou viajando com minha filha e assim ficaremos por mais alguns dias. Estamos hospedadas em um trailer pequeno e aconchegante. Trouxemos alguns poucos brinquedos, massas de modelar, um caderno de desenho, lápis, canetas e agora ela acaba de ganhar uma bicicleta. Não temos horários para nada. Acordamos quando os olhos se abrem. Dormimos quando dá sono. E tenho observado atentamente seu comportamento. Ela desacelerou completamente, talvez que pelo simples fato de termos rompido a rotina. E olha que é uma criança sem agenda corrida, sem horários rígidos, e com uma rotina bastante flexível e amigável. Mas acontece que ela vive tudo o que eu vivo, sente o que eu sinto, é parte ativa e participante da família e minhas decisões sempre a envolvem de maneira decisiva. E assim, estando tão fortemente vinculada a mim, pode sentir o que sinto, viver o que vivo, ainda que em grau diferente.

Ontem, quando estávamos deitadas descansando, eu contando para ela, no aconchego do trailer, uma história de uma personagem que criei há um certo tempo e que a acompanha em seu crescimento, ela se levantou, olhou para mim e disse:

- Mamãe, estou adorando essa viagem...
Mostrei-me feliz, disse que também estava amando viajar com ela e perguntei do quê ela estava gostando mais.
- Ah, mamãe... Estou gostando que aqui as coisas não acontecem o tempo todo.
Surpresa com a resposta, pedi que me explicasse melhor o que estava sentindo.
- É que lá em casa a gente fica fazendo, fazendo, pensando, pensando. As coisas ficam acontecendo o tempo todo. É isso, é aquilo. Muita coisa acontecendo. A gente fica feliz, depois fica triste, e depois tem correria. E as coisas não param de acontecer. Aqui a gente pode ficar de preguicinha, e sempre juntas, e descansar muito. E as coisas não acontecem o tempo todo.
Perguntei:
- Você gosta quando as coisas não acontecem o tempo todo, filha?
- Sim, mamãe. Eu fico cansada quando você fica cansada. A gente tem que fazer férias sempre. Férias mesmo se a gente não for viajar. Pras coisas pararem de acontecer. Todo mundo tem que descansar. Criança também tem que descansar...

Nesse mundo tão corrido, não nos esqueçamos disso: crianças também precisam descansar. Precisam de ócio, de silêncio, de contemplação.

Ensinar, ainda na infância, que silêncio e solitude não são sinônimos de solidão e que calmaria nem sempre é tédio, é criar adultos que não sintam necessidade de buscar emoções a todo custo apenas para fugirem de si mesmos.

Estejamos atentos.
Onde houver criança, que possamos ir mais devagar.

Ligia Moreiras Sena é cientista. E mãe. Autora do blog "Cientista Que Virou Mãe" e do livro "Educar sem violência - criando filhos sem palmadas".

Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/ligia-moreiras-sena/devagar-criancas_b_6384450.html

sábado, 27 de setembro de 2014

A primavera (Por Olavo Bilac)


Eu sou a primavera!
Está limpa a atmosfera,
E o sol brilha sem véu!
Todos os passarinhos
Já saem dos seus ninhos,
Voando pelo céu.
Há risos na cascata,
Nos lagos e na mata,
Na serra e no vergel:
Andam os beija-flores
Pousando sobre as flores,
Sugando-lhes o mel.
Dou vida aos verdes ramos,
Dou voz aos gaturamos
E paz aos corações;
Cubro as paredes de hera;
Eu sou a primavera,
A flor das estações!
Coro das quatro estações;
Cantemos! Fora a tristeza!
Saudemos a luz do dia:
Saudemos a natureza!
Já nos voltou a alegria!

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Por que é tão difícil colocar limites no seu filho (Por Juliana Vines)

Os pequenos tiranos de hoje são resultado do encontro de duas gerações sem limites, diz Tania Zagury, mestre em educação e autora de “Limites Sem Trauma” (Record). 
“Quem está criando filhos agora são os que já tiveram liberdade na infância e estão frente a uma situação que não vivenciaram: os filhos deles também querem fazer de tudo. A liberdade da criança acaba tirando a dos pais.” 
Zagury fez um estudo com 160 famílias no início dos anos 1990, quando já identificava o surgimento da tirania infantil. “Os pais dos anos 1980 tinham sido criados de forma dominadora e queriam uma educação liberal.” 
Entre os anos 1970 e 1980 a criança se tornou ator da história, segundo Mary Del Priore, organizadora do livro “História das Crianças no Brasil” (Contexto). A tendência começou depois da Segunda Guerra. Ao mesmo tempo, surgiram leis de proteção à infância, jovens ganharam visibilidade no cinema e na publicidade e as famílias diminuíram. 
“A mulher [que trabalha fora e começa a tomar pílula] passa a querer ter menos filhos para criá-los bem. E a criança ganha lugar como consumidora. Há uma transformação no papel dos pais”, afirma a historiadora. 

CRISE DE AUTORIDADE 

O problema é que a balança foi toda para o outro lado: da rigidez à frouxidão, analisa o psicanalista Renato Mezan, professor da PUC-SP. “Por um lado, é um avanço social, há mais diálogo na família e mais decisões consensuais. Mas, por outro, os pais têm medo de exercer a autoridade legítima. É uma crise de 
autoridade generalizada.” 
Há também uma inversão de papeis, segundo a pedagoga Adriana Friedmann, doutora em antropologia e coordenadora do Nepsid (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento). 
“Há uma ‘adultização’ precoce e, ao mesmo tempo, um prolongamento da infância”, diz. “Não dá para culpar só os pais. Todos são vítimas da tendência sociocultural. 
As crianças estão expostas a um grande número de estímulos e influências da mídia.” Para a psicanalista Marcia Neder, os pais se sentem obrigados a mimar os filhos e há muitas exigências em torno de um ideal da mãe perfeita. “Fica difícil dizer ‘não’em uma sociedade que trata a criança como um deus. O filhocentrismo. 

MAMÃE EU QUERO 
Encontrar o equilíbrio pode ser complicado quando a criança tem entre dois ou três anos, aponta Friedmann. “Elas estão na fase de se descobrirem como pessoas com identidade única. Nesse período, há uma necessidade da afirmação do eu, por isso experimentam um jogo de força com os adultos.”
É fundamental os pais terem clareza sobre quais regras vão impor aos filhos. Só assim conseguirão ser firmes. “Os limites devem ser colocados na primeira infância, quando se constroem as bases da personalidade”, acrescenta Friedmann. 
A psicopedagoga Maria Irene Maluf, membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia, lembra que regras dão segurança. “A opinião da criança não deve ser ignorada, mas ela não sabe escolher o que é melhor para ela. Ninguém nasce autônomo.” 
No fundo, mesmo os mais rebeldes gostam de saber até onde podem ir, complementa a também psicopedagoga Betina Serson. Para quem tem um déspota mirim em casa, ela recomenda começar a disciplina estabelecendo uma rotina, um ritmo. 
“A ideia de que colocar limites pode ser danoso à criança é errada”, afirma Mezan. Segundo ele, a inexistência de regras gera ansiedade dos dois lados. “Qualquer renúncia ao prazer imediato passa a ser vivida como uma frustração insuportável pela criança. Muitas vezes, porque seu desejo é logo satisfeito, ela acaba valorizando pouco o que tem”, afirma. 

Artigo extraído em: http://www.antroposofy.com.br/wordpress/ (Biblioteca virtual da Antroposofia) 

domingo, 10 de agosto de 2014

Tempo de vento...

O vento



O vento faz coisas
Que a gente nem vê...
Salpica o chão
De flores de ipê

O vento balança
A trepadeira
A frutinha no galho,
A flor na roseira.

Balança a casa
Daquela andorinha
Agita a nuvem
Tão leve e branquinha.

Belém... Belém...
Balançou o sininho
E na água azul
Levou o barquinho.

E o vento sossega
Depois de brincar
Com os grãos da areia
Com as ondas do mar...

(Maria de Lourdes Serretti)


quarta-feira, 25 de junho de 2014

Depoimento de Vó...

Compartilhamos estas palavras do coração, escritas por uma avó muito querida, logo após a Festa da Lanterna do Jardim Alecrim Recife...

Gratidão, vovó Marta!

Foto: Emiliano Dantas

Momento Mágico
(Marta Azambuja)

Um papel branquinho
De vermelho foi pintado
E com muito carinho
Lindamente decorado
Os corações vibrando
Na escola vão chegar
Gostosa mesa de frutas
Para compartilhar
Chegando o momento
Muita emoção no ar
Todos muito atentos
A peça vai começar
A menina da lanterna
Sapateiro, fiandeira
Sol, vento, estrelas
Uma raposa ligeira
Aparece um lindo urso
Grande e bem mansinho
Também vem participar
Um lindo porco-espinho
Alegria e gargalhadas
O menino e sua bola
Brinca, joga para o alto
Birrento e bem gabola
Linda música ao fundo
Uma voz de passarinho
Iluminação multicor
Aquecendo lindo ninho
Gurizada entusiasmada
Acenderam a lanterna
A música maravilhosa
Deixa a cena fraterna
Lanternas bem coloridas
Crianças muito exultantes
Subiu a chama do amor
Nada mais foi como antes
Um passeio pela escola
Todos em cantoria
Em cada canto deixando
Amor, paz e alegria
Seguindo a professora
Cada um para a sua sala
Apagaram a lanterna
E ganharam doce fala
Todos em silêncio
Foram para as casinhas
Levando no coração
O brilho das estrelinhas

Marta Azambuja (avó de Thato)
Recife, 01 de junho de 2014