terça-feira, 14 de agosto de 2012

Ventos de agosto...

Dança do Vento (Afonso Lopes Vieira)

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.

E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

The New York Times - "Uma escola do Vale do Silício que não computa"


The New York Times

Avaliação da escola digital
Uma escola do Vale do Silício que não computa
O ambiente sem computadores da escola Waldorf tem atraído
pais de companhias de alta tecnologia como Google

Por Matt Richtell
Publicado em 22/10/11

Tradução de Valdemar W. Setzer 
e revisão de Sonia A.L. Setzer [1]

LOS ALTOS, Califórnia. O diretor de tecnologia da empresa eBay manda suas crianças para uma escola com 9 salas de aula. O mesmo fazem funcionários de gigantes do Vale do Silício como Google, Apple, Yahoo e Hewlett-Packard. Mas as principais ferramentas educacionais dessa escola não têm nada de alta tecnologia: canetas e papel, agulhas de tricô e, de vez em quando, barro. Nenhum computador à vista. Não há nenhuma tela. Eles não são permitidos em classe, e a escola até mesmo vê com maus olhos se são usados nos lares.

Em todo o país [trata-se dos EUA], escolas têm se apressado em prover suas classes com computadores, e muitos dos que estabelecem as políticas educacionais dizem que é idiota agir de outra maneira. Mas o ponto de vista contrário pode ser encontrado no epicentro da economia tecnológica, onde alguns pais e educadores têm uma mensagem a dar: computadores e escolas não se misturam.

Trata-se da Waldorf School of the Peninsula [Escola Waldorf da Península], uma das aproximadamente 160 escolas Waldorf no país que seguem uma filosofia de ensino focada em atividade física e aprendizado por meio de tarefas criativas, com a mão na massa [2]. Os que apoiam esse enfoque dizem que os computadores inibem o pensamento criativo, o movimento, a interação humana e períodos de concentração.

O método Waldorf existe há quase um século, mas o fato de ele ter se firmado entre os técnicos do mundo digital coloca em nítida evidência um debate crescente sobre o papel dos computadores na educação.

"Basicamente, eu rejeito a noção de que apoios tecnológicos são necessários no ensino fundamental," disse Alan Eagle, de 50 anos, cuja filha, Andie, é uma das 196 alunas do ensino fundamental Waldorf, e seu filho, de 13 anos, está na 2ª parte da escola fundamental [6ª a 9ª séries na seriação oficial atual do Brasil]. "A ideia que um programa aplicativo em um iPad consegue ensinar melhor meus filhos a ler e a fazer aritmética é ridícula."

O Sr. Eagle conhece um bocado de tecnologia. Ele tem um bacharelado em ciência da computação da Universidade Dartmouth e trabalha na comunicação da alta administração no Google, onde ele tem escrito discursos para o presidente, Eric E. Schmidt. Ele usa um iPad e um Smartphone. Mas ele diz que sua filha, que cursa o 5º ano, "não sabe como usar o Google," e seu filho está justamente aprendendo isso. (Começando no 8º ano [3], a escola apoia o uso limitado dos aparelhos.)

Três quartos dos alunos daqui têm pais com uma forte ligação com a alta tecnologia. O Sr. Eagle, como outros pais, não vê nenhuma contradição. A tecnologia, diz ele, tem seu tempo e lugar. "Se eu trabalhasse na Miramax e fizesse bons filmes, artísticos, classificados como R [restritos para menores], eu não gostaria que meus filhos os vissem até que tivessem 17 anos."

Enquanto outras escolas na região trombeteiam sobre as suas classes conectadas em rede, a escola Waldorf adota uma visão antiga e simples – quadros negros com giz colorido, estantes com enciclopédias, carteiras de madeira cheias de cadernos de anotações e lápis Nº 2.

Numa 5ª feira recente, Andie Eagle e seus colegas de 5º ano [3] estavam treinando suas habilidades de tricotar, cruzando agulhas de madeira em torno de novelos de lã, produzindo um tecido [4]. É uma atividade que a escola diz ajudar a desenvolver a capacidade de resolver problemas, a elaboração de desenhos, as habilidades matemáticas e a coordenação [motora]. O objetivo a longo prazo: fazer meias [5].

Em outra classe uma professora treinava alunos do 3º ano [Waldorf] em multiplicação, dizendo-lhes para imaginarem seus corpos transformados em relâmpagos. Ela lhes propunha um problema aritmético – 4 vezes 5 – e, em uníssono, eles gritavam "20" e apontavam seus dedos para o número no quadro negro. Uma sala de calculadores humanos.

No 2º ano alunos em pé em círculo aprendiam habilidades com a linguagem, repetindo versos, após o professor, enquanto ao mesmo tempo brincavam de agarrar saquinhos com sementes [p.ex., com feijões]. É um exercício que tem a finalidade de sincronizar o corpo e o cérebro [do ponto de vista Waldorf, deveria ser mind, mente]. Aqui, como em outras classes, o dia pode começar com a recitação de um verso sobre Deus, refletindo uma ênfase não confessional no divino.

A professora de Andie, Cathy Waheed, que tinha sido uma engenheira de computação, tenta fazer o aprendizado tornar-se irresistível e tangível. No último ano ela ensinou frações fazendo os alunos cortarem pedaços de alimentos – maçãs, pizzas, bolos – em quartos, metades e 16-avos.

"Durante 3 semanas, nós nos alimentamos de frações," ela disse. "Quando eu fracionava um bolo em um número de pedaços suficiente para dar a todos, você pensa que eu não tinha prendido a atenção deles?"

Alguns especialistas em educação dizem que a onda de equipar as classes com computadores não é desejável pois não há estudos mostrando claramente que isso leva a um melhor rendimento em testes educacionais ou outros ganhos mensuráveis.

Será que aprender por meio de frações de bolo e tricotar é melhor? Os defensores da pedagogia Waldorf tornam a comparação difícil, em parte porque, sendo escolas privadas, elas não passam testes padronizados no ensino fundamental ["standardized tests" testes adotados nacionalmente nos EUA, nas escolas públicas]. E eles são os primeiros a admitir que seus alunos das primeiras séries talvez não se saiam tão bem em tais testes porque, dizem, eles não os treinam dentro de um currículo padrão de matemática e de língua pátria.

Quando inquirida sobre uma demonstração da efetividade das escolas, a Association of Waldorf Schools of North America [Associação Norte-americana de Escolas Waldorf] aponta para pesquisas de um grupo afiliado a ela, mostrando que 94% de alunos formados de ensinos médios Waldorf nos Estados Unidos entre 1994 e 2004 cursaram o ensino superior, sendo muitos em instituições de prestígio como Oberlin [Oberlin College], Berkley [The University of California at Berkeley] e Vassar [Vassar College]. [6]

Obviamente, esse número pode não ser surpreendente, dado que esses alunos vêm de famílias que dão um valor suficientemente elevado à educação para procurarem uma escola particular selecionada, e têm os meios para pagá-la [7]. Além disso, é difícil separar os efeitos de métodos de instrução de baixa tecnologia de outros fatores. Por exemplo, pais de alunos da escola de Los Altos dizem que ela atrai excelentes professores, que passam por treinamento intenso no método Waldorf, desenvolvendo um vigoroso senso de sua missão, que pode estar faltando em outras escolas.

Na falta de evidências claras, o debate reduz-se à subjetividade, à escolha dos pais e a uma diferença de opinião em torno de uma só palavra: envolvimento. Os defensores de se equipar escolas com tecnologia dizem que os computadores podem prender a atenção dos estudantes e que, de fato, jovens que ficaram sem aparelhos eletrônicos não se adaptarão [à sociedade] sem eles. [Essa frase usa "weaned", que significa "desmamar" (dos aparelhos), e "tune in", que significa "sintonizar" (sem eles).]

Ann Flynn, diretora de educação tecnológica da National School Boards Association [Associação Nacional de Diretorias de Escolas], que representa diretorias de escolas em todo o país, disse que os computadores são essenciais. "Se as escolas têm acesso aos aparelhos e têm recursos para isso, mas não os estão usando, estão enganando nossos filhos," disse a Sra. Flynn.

Paul Thomas, um ex-professor de escola e Professor Associado de educação na Universidade Furman, que escreveu 12 livros sobre métodos educacionais no ensino público, não concorda, dizendo que "parcimônia em relação à tecnologia em classe sempre beneficiará o aprendizado."

"Ensinar é uma experiência humana," ele disse. "Tecnologia é um elemento de distração quando necessitamos de alfabetização, aritmetização e pensamento crítico."

E pais Waldorf argumentam que um envolvimento real vem de excelentes professores com esquemas interessantes para as aulas.

"Envolvimento tem a ver com contato humano, o contato com o professor, o contato com os colegas," disse Pierre Laurent, 50, que trabalha numa nova empresa de alta tecnologia e antes trabalhou na Intel e na Microsoft. Ele tem 3 filhos em escolas Waldorf, que impressionaram tanto a família que sua esposa, Monica, passou a atuar em uma delas como professora em 2006.

E quando defensores de prover classes com tecnologia dizem que crianças necessitam tempo de [aprendizado com] computador para competir no mundo moderno, pais Waldorf rebatem com: qual é a pressa, dado que é fácil adquirir essas habilidades?

"É superfácil. É como aprender a usar pasta de dentes," disse o Sr. Eagle. "No Google e em todos esses lugares, nós fazemos a tecnologia tão pouco intelectualmente exigente quanto possível. Não há razão para que crianças não a aprendam quando ficarem mais velhas."

Há também muitos pais envolvidos com alta tecnologia em uma escola Waldorf em San Francisco, e logo ao norte dessa cidade na Escola Greenwood, em Mill Valley, que não é reconhecida oficialmente [pela Association of Waldorf Schools of North America], mas é inspirada pelos seus princípios [da pedagogia Waldorf].

A Californa tem cerca de 40 escolas Waldorf, dando-lhe uma fatia desproporcional [em relação aos outros estados] – talvez porque o movimento está se enraizando aqui, disse Lucy Wurtz que, junto com seu marido, Brad, ajudou a fundar o ensino médio da escola Waldorf de Los Altos em 2007. O Sr. Wurtz é presidente da Power Assure, que colabora com centros de processamento de dados no sentido de reduzir seu consumo de energia.

A experiência Waldorf não sai barata: a anuidade nas escolas do Vale do Silício é de US$ 17.550 (R$ 30.914,00, ao câmbio comercial de venda em 26/10/11), do jardim de infância até o 8º ano e US$ 24.440 (R$ 41.792,00) para o ensino médio, se bem que, segundo a Sra.Wurtz, há disponibilidade de auxílio financeiro. Ela diz que o pai Waldorf típico, que tem uma variedade de escolas públicas e particulares para escolher [7], tende a ser liberal e ter uma formação bem alta, com uma intensa visão sobre educação; ele também sabe que quando for a hora de ensinar tecnologia a seus filhos eles terão um amplo acesso e conhecimento dentro do lar.

Enquanto isso, os alunos dizem que eles não têm preferência por tecnologia, nem tampouco são totalmente alienados. Andie Eagle e seus colegas do 5º ano dizem que de vez em quando veem filmes. Uma garota, cujo pai trabalha como engenheiro na Apple, diz que ele às vezes pede a ela para testar alguns jogos eletrônicos que ele está depurando. Um garoto brinca com programas simuladores de voo nos fins de semana.

Os alunos dizem que eles ficam frustrados quando seus pais e parentes ficam muito envolvidos com telefones e outros aparelhos. Aurad Kamkar, de 11 anos, disse que foi recentemente visitar primos e ficou sentado com 5 deles jogando com seus aparelhos, sem prestar atenção a ele ou a cada um dos outros. Ele começou a acenar com seus braços para eles: "Eu disse: ‘Oi, gente, eu estou aqui.’ "

Finn Heilig, de 10 anos, cujo pai trabalha no Google, diz que ele gostou de aprender com caneta e papel – em lugar de usar um computador – porque ele podia controlar seu progresso ao longo dos anos.

"Você pode olhar para trás e ver como sua escrita era bagunçada no 1º ano. Com computadores você não consegue fazer isso, pois nele todas as letras saem do mesmo jeito," disse Finn. "Além disso, se você aprende a escrever no papel, ainda pode continuar a escrever se cai água no computador ou se acaba a energia elétrica."
[1] Notas do tradutor aparecem no texto entre colchetes. O alinhamento horizontal entre os parágrafos em inglês e na tradução funciona para uma 'janela' de 33,3 cm de largura no navegador Firefox 7.0.1, podendo desalinhar em outros tamanhos de 'janela' e em outros navegadores.
Curiosamente, na época desta tradução 2 netos do tradutor e da revisora, de 15 e 12 anos, estão cursando, por um semestre, a escola Waldorf em Los Altos mencionada no artigo. Eles já a cursaram 5 anos atrás, também por um semestre, e fizeram questão de voltar para ela nessa nova estadia nos Estados Unidos.

[2] No Brasil há 25 escolas Waldorf com ensino fundamental, eventualmente também com o ensino médio, e há ainda dezenas de jardins de infância fora dessas escolas. Para listas dessas escolas e jardins, ver os diretórios de pedagogia Waldorf na América Latina e o de jardins de infância Waldorf no Brasil. Uma visita a uma escola ou a um jardim Waldorf é altamente recomendável, para se ter uma ideia da realidade da pedagogia e verificar como uma pedagogia alternativa pode ter sucesso, educando crianças sem pressão e traumas, pois não há notas e repetições de ano, e onde o ensino artístico e artesanal é intenso durante toda a escolaridade. Cada escola Waldorf é independente, isto é, não existe uma orientação rígida unificada, nem no Brasil, nem no mundo, e tem mesmo a obrigação de adaptar adequadamente o currículo ao local e ao tempo, sempre respeitando a maturidade global das crianças. Há uma Federação das Escolas Waldorf no Brasil, que certifica cada escola ou jardim como seguindo os princípios básicos da pedagogia Waldorf.

[3] A seriação das escolas Waldorf no mundo inteiro é a seguinte: 1º ao 8º anos de ensino fundamental e 9º ao 12º anos do ensino médio. (Usamos a denominação "ano" para o ensino Waldorf e "série" para o ensino tradicional.) Essa é também a seriação tradicional européia e americana fora das escolas Waldorf. Nestas últimas, em geral a criança entra no 1º ano entre 6 ½ e 7 anos de idade; crianças de idades limítrofes são examinadas lúdica e qualitativamente para avaliação da maturidade. A alfabetização é muito lenta, e começa apenas no 1º ano – jamais no jardim de infância, o que seria considerado altamente prejudicial ao desenvolvimento harmônico das crianças. O jardim de infância é considerado uma extensão do lar, e não é chamado de "educação infantil" pois nele não existe ensino formal.

[4] Na pedagogia Waldorf, alunos e alunas fazem todos os mesmos trabalhos manuais, sempre com alguma utilidade prática, independente do material usado.

[5] Meias de lã; no currículo Waldorf padrão, os alunos dos 5os anos tricotam uma meia com 5 agulhas, sem costura.

[6] Ver também a pesquisa de Wanda Ribeiro e Juan Pablo, feita com ex-alunos da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, "Sete mitos da inserção social do ex-aluno Waldorf"

[7] No Brasil, as escolas Waldorf não custam em geral mais do que as boas escolas particulares, apesar de oferecerem muito mais em termos de ensino e, contando a escola como um todo, terem bem menos alunos por professor. Consegue-se isso pois nenhuma escola Waldorf tem fins lucrativos: pertence a uma associação filantrópica de pais, mestres e amigos. Em termos americanos de custo dessas escolas, é preciso também considerar que, em geral, as escolas públicas americanas são bastante boas do ponto de vista de formação intelectual e até geral; por exemplo, é tradição por lá que cada escola pública tenha uma banda sinfônica, bem como excelentes meios para aulas de educação física. Assim, nos EUA, pais que colocam seus filhos em escolas Waldorf realmente fazem um grande sacrifício financeiro e, portanto, reconhecem que a pedagogia Waldorf representa aquilo que mais se aproxima de seu ideal pedagógico. Entre nós, dada a triste situação atual do ensino estatal, não só do ponto de vista educacional, mas também do ambiente entre os alunos, poucos pais com um certo nível cultural e com posses suficientes teriam coragem de colocar seus filhos em escolas públicas nos ensino fundamental e médio, a menos de honrosas exceções. É preciso adicionar que há no Brasil escolas Waldorf comunitárias, como a Escola Rural Dendê da Serra, em Uruçuca, Serra Grande, BA (perto de Itacaré) e também a Escola Comunitária Municipal do Vale de Luz, Nova Frigurgo, RJ. Na Alemanha, onde há dezenas e dezenas de escolas Waldorf, estas são em geral subsidiadas pelos governos estaduais, por se reconhecer o serviço educacional que elas prestam à população e, também, por constituírem praticamente a única alternativa ao ensino estatal, dando-se assim uma chance de escolha pedagógica para os pais; nesses casos os pais pagam uma mensalidade relativamente baixa. Segundo a UNESCO, a pedagogia Waldorf é o único movimento pedagógico coerente em âmbito mundial.

Última revisão: 21/11/11

Artigo extraído em http://www.sab.org.br/pedag-wal/artigos/NYT-Waldorf-Peninsula.htm , no dia 06 de agosto de 2012.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

João - Uma advertência à nossa consciência

Por Evelyn Scheven

Precisamente meio antes do evento do Natal, nasce num certo país uma crianças cujos pais eram muito velhos. Conta-se que os clarividentes da época, pouco tempo após o nascimento, observaram que se tratava de uma criança muito especial e que, como se por hereditariedade, trazia consigo toda a experiência de seus velhos pais.
Por ser sacerdote seu pai dava-lhe uma educação muito rígida, cheia de sabedoria, o que fazia refletir na sua própria maneira de agir: conta-se que, entre muitas outras coisas, era um ser: pensativo, melancólico, que brincava pouco e que tinha uma inteligência bem acima da média de sua idade – aos dez anos, já participava das discussões e debates dos sacerdotes. – Esta criança se chamava João e nasceu no dia 24 de junho.
Em 24 de dezembro daquele mesmo ano, nasce outra criança cujos pais eram muito simples (seu pai era marceneiro) Conta-se que, ao contrário da primeira, esta criança teve uma educação muito simples e que era muito criativa e gostava muito de brincar. Sua educação nada tinha do conteúdo iniciático dos sacerdotes.
Estas duas crianças, durante a sua infância, mantiveram muito contato entre si. Cresceram juntas e uma delas seguiu a profissão do pai, mas logo se revelou a vontade de ajudar o próximo, de entendê-lo, despertar-lhe a criatividade de querer transformar o mundo.
A outra consolida cada vez mais suas características da infância e, ao tornar-se adulta, afasta-se da sociedade para pensar e meditar. Retirando-se para o deserto concentra-se em si mesmo com o objetivo de entender em que ponto chegou à humanidade no seu caminho evolutivo. Percebe então que, na sua caminhada, a humanidade alcança um “beco sem saída”. Na sua meditação, adquire a profunda consciência do mundo de sua época.
Ele não procurava as pessoas, elas é que vinham a ele para serem batizadas e dele receberem ensinamentos. Orientava as pessoas para que mudassem o sentido se suas vidas, já que a “velha” maneira de viver e pensar não mais levaria a humanidade ao futuro.
Sua consciência em compreender o passado, era também capaz de olhar o futuro, e de perceber no seu companheiro de infância não só um homem com consciência, mas também como uma criativa força de transformação.
Assim, João, conscientemente, une no batismo do Rio Jordão, o velho ao novo mundo. Pouco tempo depois, vai para o sacrifício do monte, onde é condenado e decapitado por Herodes.
Assim como o 24 de dezembro e o 24 de junho se encontram em polaridade no transcorrer do ano, estas duas criaturas – Jesus e João – encontram-se em polaridade na história da humanidade. Um reúne em si a força criativa da luz do sol; o outro tem, através da consciência, a força reflexiva da lua.
O homem moderno inicia o ano em 24 de dezembro e, no decorrer deste, passando pela Páscoa e Pentecostes, chega a 24 de junho – aniversário de João Batista. Ele é levado a compreender nesta polaridade com o Natal, com toda a sua consciência, o acontecimento de Cristo. Como sinal do despertar dessa consciência, pode entender o acender de fogueiras na escuridão da noite do aniversário de João Batista.

Fonte: Insituto Mainumby. Festejar São João. Associação Comunitária Monte Azul.

domingo, 27 de maio de 2012

Estória "A Menina da Lanterna"


A Menina da Lanterna

            Era uma vez uma menina que carregava alegremente sua lanterna pelas ruas. De repente chegou o vento, que com grande ímpeto apagou a lanterna da menina.
          – Ah! – exclamou a menina. – Quem poderá reacender a minha lanterna? Olhou para todos os lados, mas não achou ninguém. Apareceu, então, um animal muito estranho, com espinhos nas costas, de olhos vivos, que corria e se escondia muito ligeiro pelas pedras. Era um porco-espinho.
           – Querido porco-espinho! – Exclamou a menina – O vento apagou a minha luz. Será que você sabe quem poderia acender a minha lanterna?
E o porco-espinho disse a ela que não sabia, que perguntasse a outro, pois precisava ir pra casa cuidar dos filhos.
            A menina continuou caminhando e encontrou-se com um urso, que caminhava lentamente. Ele tinha uma cabeça enorme e um corpo pesado e desajeitado, e grunhia e resmungava.
            – Querido urso! – falou a menina. - O vento apagou a minha luz. Será que você sabe quem poderia acender a minha lanterna?
E o urso da floresta disse a ela que não sabia, que perguntasse a outro, pois estava com sono e iria dormir e repousar.
            Surgiu, então, uma raposa, que estava caçando na floresta e se esgueirava entre o capim. Espantada, a raposa levantou seu focinho e, farejando, descobriu a menina. Indignada, a raposa dirigiu-se a ela e mandou que voltasse pra casa, porque a menina espantava os ratinhos.
Com tristeza, a menina percebeu que ninguém queria ajudá-la. Sentou-se sobre uma pedra e chorou.
            Neste momento surgiram estrelas que lhe disseram para ir perguntar ao Sol, pois ele com certeza poderia ajudá-la.
            Depois de ouvir o conselho das estrelas, a menina criou coragem para continuar o seu caminho.
            Finalmente, chegou a uma casinha, dentro da qual avistou uma mulher muito velha, sentada, fiando sua roca. A menina abriu a porta e cumprimentou a velha.
            - Bom dia, querida vovó – disse ela
            - Bom dia, respondeu a velha.
            A menina perguntou se ela conhecia o caminho até o Sol e se ela queria ir com ela, mas a velha disse que não podia acompanhá-la porque fiava sem cessar e sua roca não podia parar. Entretanto, pediu à menina que descansasse um pouco, pois o caminho era muito longo. A menina entrou na casinha e sentou-se para descansar. Pouco depois, pegou sua lanterna e continuou a caminhada.
            Mais adiante, encontrou outra casinha no seu caminho, a casa do sapateiro. Ele estava consertando muitos sapatos. A menina abriu a porta e cumprimentou-o. Perguntou, então, se ele conhecia o caminho até o Sol e se queria ir com ela procurá-lo. Ele disse que não podia acompanhá-la, pois tinha muitos sapatos para consertar. Deixou que ela descansasse um pouco, pois sabia que o caminho era longo. A menina entrou e sentou-se para descansar. Depois pegou sua lanterna e continuou a caminhada.
            Ao longe avistou uma montanha muito alta.
Com certeza, o Sol mora lá em cima – pensou a menina e pôs-se a correr, rápida como uma corsa. No meio do caminho, encontrou uma criança que brincava com uma bola. Chamou-a para que fosse com ela até o Sol, mas a criança nem respondeu. Preferiu brincar com sua bola e afastou-se saltitando pelos campos. Então a menina da lanterna continuou sozinha o seu caminho. Foi subindo pela encosta da montanha. Quando chegou ao topo, não encontrou o Sol.
            - Vou esperar aqui até o Sol chegar – pensou a menina, e sentou-se na terra.
            Como estivesse muito cansada de sua longa caminhada, seus olhos se fecharam e ela adormeceu.
            O Sol já tinha avistado a menina há muito tempo. Quando chegou a noite ele desceu até a menina e acendeu a sua lanterna.
            Depois que o sol voltou para o céu, a menina acordou.
            - Oh! A minha lanterna está acessa! – exclamou, e com um salto pôs-se alegremente a caminho.
            Na volta, reencontrou a criança da bola, que lhe disse ter perdido a bola, não conseguindo encontrá-la por causa do escuro. As duas crianças procuraram então a bola. Após encontrá-la, a criança afastou-se alegremente.
            A menina da lanterna continuou seu caminho até o vale e chegou à casa do sapateiro, que estava muito triste na sua oficina. Quando viu a menina, disse-lhe que seu fogo tinha se apagado e suas mãos estavam frias, não podendo, portanto, trabalhar mais. A menina acendeu a lanterna do artesão, que agradeceu, aqueceu as mãos e pôde martelar e costurar seus sapatos.
            A menina continuou lentamente a sua caminhada pela floresta e chegou ao casebre da velha. Seu quartinho estava escuro. Sua luz tinha se consumido e ela não podia mais fiar. A menina acendeu nova luz e a velha agradeceu, e logo sua roda girou, fiando, fiando sem cansar.
Depois de algum tempo, a menina chegou ao campo e todos os animais acordaram com o brilho de sua lanterna.
A raposinha, ofuscada, farejou para descobrir de onde vinha tanta luz. O urso bocejou, grunhiu e, tropeçando desajeitado, foi atrás da menina. O porco-espinho, muito curioso, aproximou-se dela e perguntou de onde vinha aquele vaga-lume tão grande.
Assim, a menina voltou feliz pra casa, sempre cantando a sua canção!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O Simbolismo da Festa Junina

Por Anna Maria Macrander Karassawa

Fogueiras, bandeirinhas, quadrilhas, quitutes deliciosos. Quem não gosta de uma boa festa Junina? Agora, no mês de junho, por toda a cidade, por todo o país, estarão ocorrendo inúmeras festas em homenagem a São João. Escolas, ruas, paróquias e clubes são enfeitados com bandeirinhas coloridas; comidinhas saborosas serão preparadas por mãos experientes; grandes fogueiras esquentarão as longas e frias noites de inverno; sanfoneiros cantarão canções tradicionais em homenagem a São João.

A festa de São João ocorre para nós, do hemisfério sul, no início do inverno, no dia 24 de junho. Apesar de não vivenciarmos a intensidade dos invernos europeus, neste período, as noites são mais longas e frias, e os dias mais frescos. A natureza a nossa volta procura se recolher de modo a propiciar em seu íntimo a revitalização das forças que desabrocharão novamente na primavera. Nesse ambiente introspectivo de noites escuras e frias, as chamas das fogueiras de São João convidam não apenas a nos envolvermos com a alegria das festas, mas também a aquecer e iluminar nossas almas. E, assim, com corações aquecidos, começamos a nos envolver com caráter espiritual da Festa de São João. Para compreendermos essa espiritualidade, precisamos saber quem foi João Batista e qual foi sua grande contribuição para a humanidade.

João era filho de  Zacarias e Isabel. Ainda quando criança, foi preparado para a vida sacerdotal, como fora seu pai. Após anos de estudos, retirou-se para o deserto e, nesse ambiente hostil e árido, dedicou-se a oração e penitência, com a intenção de cumprir sua missão: “preparar o caminho do Senhor, aplainar as suas veredas” (Luc 3, 4). Após deixar o deserto, João foi para o vale do rio Jordão, onde falava às pessoas da importância de se prepararem para a chegada do Filho de Deus. Chamava todos à conversão, dizendo: “arrependei-vos e convertei-vos, pois o reino de Deus está próximo”.

João batizava nas águas do Rio Jordão todos aqueles que buscavam o arrependimento e a conversão. Era tão convicto de sua missão que muitos chegaram a confundi-lo com o próprio messias, ao que ele, imediatamente, retrucava: “Eu não sou o Cristo” (Jô 3, 28) e “não sou digno de desatar a correria de sandália” (Jô 1, 29).

Certo dia, assim como todos que procuravam João, veio também Jesus para ser batizado. “E logo que saiu da água, viu os céus abertos, e o Espírito, que, como pomba, descia sobre ele” (Mc 1, 10). “E ouviu-se uma voz dos céus, que dizia: Tu és meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mc 1, 11).

Após o batismo de Jesus, João continuou batizando, mas sua missão estava terminada. Pouco tempo depois foi preso e decapitado a mando do rei Herodes.

João veio ao mundo com a missão de preparar o coração dos homens para o advento do Cristo. Ele representava uma era que estava terminando, que não poderia mais existir a partir do momento em que Jesus se tornou Cristo. Quando ele pregava o arrependimento, ele queria mostrar que o ser humano precisava buscar uma nova consciência para poder viver uma nova era – a possibilidade individual
de cada ser humano encontrar conscientemente o caminho da espiritualidade.

João sabia que sua missão, bem como a Era que representava, havia terminado quando disse aos seus discípulos: “É necessário que ele cresça e eu diminua” (Jô 3, 30).

São João! São João! Acende a fogueira do meu coração! Contemplando a fogueira de São João, observando a lenha que se consome, que diminui, para que as labaredas cresçam, precisamos aproveitar a época de São João para fortalecer nossa busca interior, individual. Nas escuras e frias noites de inverno, com corações aquecidos, é necessário que acordemos nossa consciência para o mundo que nos rodeia e para o tempo em que vivemos.

 Fonte: http://www.festascristas.com.br/

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A Festa da Lanterna

Por Carmen Silvia Zietemann

Uma das épocas que é intensamente vivenciada pelas crianças do Maternal e Jardim de infância, em nossa Escola, é a Festa da lanterna que antecede a festa de São João.

No final do outono, quando as noites vão ficando mais longas e tanto a natureza como o próprio homem iniciam um impulso de contração, uma interiorização, as crianças da Educação Infantil começam a preparar-se para esta festa, cujo sentido está na imagem da busca da luz interior.

Durante várias semanas todo um clima propício é vivenciado nas classes, enquanto as professoras e crianças pintam, recortam e montam lanternas. São cantadas canções que falam de seu brilho e como ele ilumina o coração dos homens e afasta a escuridão.

A estória da “Menina da Lanterna” que é encenada por professores ou alunos do Ensino Médio é contada às crianças e trabalhada na roda rítmica e pela Euritmia.

Esta estória traz vários elementos de significado espiritual representados por cada personagem. E num todo o conto mostra a trajetória da alma humana em busca da consciência de si mesma, em busca da luz do Sol (Luz Crística) para sua transformação interior, abrindo caminhos ao doar-se.

Este conteúdo pode ser vivenciado pelas crianças como um belo conto de fadas num nível imaginativo e numa atmosfera de sonho.

Finalizada a peça, que é encenada no Teatro da escola, as famílias dirigem-se às classes, onde as lanternas são cerimoniosamente acesas e as crianças, familiares e professores, deixando o ambiente aconchegante das salas, dão inicio ao passeio. Pequenas procissões dos participantes, levando suas lanternas pela mão, iluminando os caminhos pela escola envolta em total penumbra e cantando lindas canções.

De todos os cantos do jardim aparecem os grupos que, como cordões de vaga-lumes, se encontram, se cruzam, explorando os lugares mais escuros, formam rodas, passam por túneis formados pelos adultos, para finalmente voltarem aos seus lares.

O ideal é que esta atmosfera especial possa ter continuidade em casa! Que a última refeição do dia já esteja preparada em cada lar e as luzes não precisem ser acesas. As próprias lanternas iluminarão o ambiente, lembrando assim o clima do qual todos acabaram de sair, propiciando uma harmonia união familiar.
Desta forma as crianças poderão dormir preenchidas pelas imagens da buscar da luz e da manutenção desta dentro de si.

Doar esta luz tão especial será então um segundo passo, que poderá transformar-se num impulso social na vida futura de cada um.

(Texto extraído da Revista Nós, Época de São João, 2005, Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo) 
Fonte: http://www.festascristas.com.br/
http://www.festascristas.com.br/sao-joao-batista/sao-joao-batista-textos-diversos/593-a-festa-da-lanterna-carmen-silvia-zietemann

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Há mais aprendizado no jardim de infância do que os olhos podem ver

Por Lílian de Almeida Pereira Bustamante Sá*


Todos aqueles que entram em contato com a Pedagogia Waldorf, baseada nas reais necessidades da criança e seu desenvolvimento, certamente percebem quão bela ela é: dos encantadores brinquedos naturais e criativos; dos temas das épocas do ano ligados à natureza e às festas universais cristãs; nas turmas do jardim de infância com crianças de 3 anos a 6 anos de idade como uma grande família, onde a criança de fato vivencia a construção do social; das pinturas em aquarelas com pigmentos naturais, aos incríveis desenhos coloridos onde todos se expressam em liberdade e criatividade; do plantio da horta até a culinária, quando todos cuidam, colhem, cozinham e servem refeições orgânicas e naturais e aprendem a comer de tudo; o brincar alegre, ativo e criativo, com as bonecas de pano, panos que se transformam em cabanas e acolhedores cestos que viram camas macias, caixas com tocos de madeira de onde surgem grandes cidades; o tanque de areia, balanços, trepa-trepas e árvores para serem escalados, balanços, o corre-corre cheio de risos, gritos de júbilo; e tudo mais que a criança pode trazer de inovação, transformação do que a cerca e que ela imita. Assim a criança se desenvolve por inteiro, neurologicamente, fisicamente, animicamente e socialmente.

Visitantes e potenciais pais apreciam o surpreendente conjunto de criações artísticas realizadas pelas crianças - as aquarelas e desenhos, os animais e bonecas de tricô, os cestos, os teatrinhos de bonecos, as formas modeladas em cera de abelhas, os tricôs e bordados que ajudam na coordenação motora, somente para listarmos alguns pontos. A música que as crianças cantam e tocam, suas canções e suas maravilhosas brincadeiras são realmente impressionantes. É de se admirar, todo o envolvimento dos pais com a escola, onde juntos constroem a educação das suas crianças. Não é possível deixar de notar as felizes expressões nos rostos das crianças.

Mas, invariavelmente, levanta-se a questão sobre como e quando se ensina leitura às crianças das escolas Waldorf. A crescente preocupação de nossa sociedade acerca do declínio das habilidades de leitura é tão profunda que, subitamente, todas as maravilhas e belezas da educação Waldorf desvanecem sob a névoa dessa discussão. "As escolas Waldorf têm uma estratégia lenta para a introdução da leitura", dizem as pessoas. "Alunos Waldorf não são ensinados a ler e escrever no jardim de infância como crianças de outras escolas", dizem outros.

Como mãe de 4 alunos que frequentam uma escola Waldorf, frequentemente escuto tais comentários e, em todos os casos, um brado de protesto brota dentro de mim: "Olhem com mais profundidade!" é o que quero gritar. A habilidade na leitura requer muito mais do que parece à primeira vista.

As pessoas geralmente concebem a leitura como a habilidade em reconhecer a configuração de letras dispostas numa página e em pronunciar as palavras e frases nelas representadas. Esta concepção atém-se ao lado mecânico e mais exterior, portanto mais fácil de se perceber, associada à atividade da leitura. Assim, quando se fala sobre ensinar à criança ler e escrever estamos nos limitando à decodificação de símbolos que representam sons e palavras.

Já lecionei por vários anos em escolas, públicas e particulares, que seguem a metodologia convencional. No jardim de infância as crianças com menos de 5 anos são instruídas a memorizar o alfabeto - um conjunto de símbolos abstratos - e a aprender os sons associados a eles. Tal processo, chamado de "aptidão à leitura", é estéril e abstrato, alheio à natureza da criança pequena.

Nas primeiras séries da escola primária, as crianças continuam a exercitar o aspecto mecânico mais exterior da leitura. Alunos consomem longos períodos de tempo lendo textos simplórios que correspondem ao patamar de suas capacidades de decodificação. Cartilhas e livros contêm histórias e informações escritas com vocabulário limitado e frases de estrutura simples. Há neles muito pouco que possa inflamar as jovens fantasias, que provoque admiração ou que estimule a simpatia pela beleza e complexidade da linguagem.
Quando esses alunos alcançavam a quinta ou sexta série, todos eles eram capazes de decodificar as palavras escritas, com diversos e variadas graus de fluência. Alguns até eram bons leitores, mas, para muitos de meus alunos, as palavras e sentenças não se completavam para formar um conjunto coerente. Eles tinham dificuldade para compreender ou recordar o que haviam acabado de ler. Superficialmente, esses alunos pareciam estar lendo. Entretanto, com tal limitada compreensão, pode isso realmente ser chamado de "leitura"?

Claramente, a leitura é muito mais do que isso que nos acostumamos a ver! Além do processo superficial de decodificar palavras em uma página, há ainda a correspondente atividade interior a ser cultivada para que uma verdadeira leitura possa ocorrer. Os professores Waldorf chamam esta atividade de "vivenciando a história". Quando uma criança está vivenciando uma história, ela forma cenas da sua imaginação no seu interior, em resposta às palavras. Através da habilidade de formar imagens mentais, de compreender, a criança vê sentido na atividade de leitura. Sem esta habilidade, a criança pode muito bem decodificar as palavras em uma folha de papel mas continuará sendo funcionalmente iletrada.

Obviamente, professores "não-Waldorf" reconhecem a importância da atividade interior da leitura, também. Eles se referem a ela como habilidade de compreensão na leitura. Nas séries mais avançadas do ensino fundamental, um esforço tremendo é despendido na tentativa de expandir nos alunos o vocabulário e, de alguma forma, exercitar a compreensão. É uma tarefa árdua, principalmente como consequência do ensino prévio e precoce da leitura, fora de sincronismo com as capacidades naturais da criança. O professor das séries mais avançadas tem que lidar com os problemas de compreensão da leitura e também com a tremenda antipatia em relação à leitura que assola os jovens com dificuldades.

É muito difícil dar aulas a alunos de quinta ou sexta séries que tenham dificuldades com compreensão da leitura, com a construção de imagens mentais. Esta capacidade interior parece nunca ter se desenvolvido neles. Por outro lado, crianças do jardim de infância e das primeiras séries, se deixadas desimpedidas, permanecem naturalmente ocupadas desenvolvendo, interiormente, cenas imaginativas. Estas crianças adoram ouvir histórias e, verdadeiramente, vivem no reino visual da imaginação. É muito trágico, em muitas escolas, ver as crianças mais novas sendo desviadas do desenvolvimento e fortalecimento de suas capacidades interiores, tão essenciais à verdadeira leitura, em direção à aprendizagem de símbolos estéreis e abstratos e a habilidades de decodificação.

A mesma afirmação pode ser feita para o enriquecimento do vocabulário. Todos sabemos que a jovem criança facilmente desenvolve seu senso linguístico e que seu vocabulário se expande rápida e inconscientemente. Elas escutam novas palavras em histórias e conversas e, de alguma forma, captam o significado delas. Elas podem até não conseguir dar definições "de dicionário" a essas novas palavras mas, misteriosamente, novas palavras se encaixam nas imagens que fluem através da mente da criança quando ela escuta histórias. É angustiante saber que nas primeiras séries escolares a maioria das crianças não é exposta à rica e complexa linguagem, simplesmente porque esta não seria compatível com as capacidades limitadas de decodificação da criança. Justamente no período que suas mentes estão mais abertas a aquisição da linguagem, elas permanecem na escola, então, convivendo com vocabulários artificialmente limitados! Certamente, a construção do vocabulário é um processo gradual durante os anos escolares e além deles. Entretanto, é muito mais fácil para as crianças maiores aprender novas palavras se elas já tiverem passado pelo processo de desenvolvimento do senso linguístico, de um extenso conjunto de palavras e de imagens mentais sobre as quais será construído o novo vocabulário.

Aparentemente, o crescente problema de analfabetismo funcional observado neste país [EUA] não é causado pela falta de capacidades técnicas de decodificação. Para a maioria das crianças com dificuldade de leitura, há, sim, uma crise na compreensão, uma crise amplamente causada pela introdução precoce de capacidades de decodificação e pelo desconhecimento das poderosas ferramentas oferecidas pela imaginação e pela atividade artística que são veredas naturais de aprendizagem para crianças nos primeiros períodos escolares. Ironicamente, esforços mais contundentes e ainda mais precoces no desenvolvimento de habilidades de decodificação são a única cura hoje oferecida pelos organismos educacionais, o que apenas agrava mais ainda o problema.

O método convencional de ensino da leitura deve ser virado ao avesso com o intuito de aproveitar as vantagens do desenvolvimento natural das capacidades de aprendizado das crianças. E precisamente isso é o que ocorre nas escolas Waldorf. Nos primeiros dias do jardim de infância, crianças nas escolas Waldorf começam a aprender a ler. Verdade seja dita, não são os aspectos técnicos, secos e externos da leitura que elas são incentivadas a realizar. Ao invés disso, elas são mantidas em contato com os aspectos interiores muito mais importantes da leitura.

Ao trabalhar com real conhecimento sobre a criança em desenvolvimento, os professores Waldorf começam o ensino da leitura através do cultivo, na criança, do sentido da linguagem e de suas capacidades em formar imagens mentais. Imagens verbais vívidas e o uso de uma linguagem rica são constantemente empregados na sala de aula. Vocabulários difíceis e sentenças com estruturas complexas não são evitadas durante as atividades de contos de fadas e histórias. As crianças cantam e recitam um vasto repertório de canções e poemas que muitos acabam decorando. As crianças vivenciam um mundo interior de imagens e fantasias, totalmente inconscientes de que elas estão desenvolvendo as mais importantes capacidades necessárias para a leitura compreensiva, para ler e entender. Elas aprendem naturalmente e alegremente e ficam no jardim até os 6 anos de idade.

Histórias imaginárias, canções e poesia não se findam no jardim de infância. Rudolf Steiner nos indica que crianças no jardim e depois entre as idades de 7 a 14 anos têm, acima de tudo, o dom da fantasia. Assim, somente há sentido no fato das crianças aprenderem melhor se o currículo é apresentado de maneira a cativar a imaginação. Em seu livro "Kingdom of Childhood", Steiner diz: "Devemos evitar uma aproximação direta às letras convencionais do alfabeto que são utilizadas na escrita e na imprensa do homem civilizado. Antes, devemos guiar a criança de uma forma vívida e imaginativa através dos vários estágios que o próprio Ser Humano percorreu na história da humanidade".

Minhas próprias crianças experimentaram a alegria de aprender as letras do alfabeto através de contos e através da aquarela e do desenho que acompanham cada letra. A letra "K" (King=Rei), por exemplo, pode ser introduzida através do conto de uma bela história sobre um rei. Então, o professor pode desenhar a figura de um rei em uma posição que lembre letra "K"e então da história e do desenho retira a letra K e assim por diante. Este processo tem sua base no passado da humanidade, à escrita pictórica usada pelo homem antigo, e empresta qualidades vivas e reais a nossos modernos símbolos - qualidades que a criança consegue compreender. Mesmo tendo levado o primeiro ano inteiro para a apresentação do alfabeto desta maneira, meus filhos nunca manifestaram tédio. Eles estavam vivenciando seus mundos de fantasia, vivenciando o desabrochar da fantasia e imaginação. Eles estavam, na realidade, aprendendo a "compreensão da leitura" muito antes de aprender a "decodificação de símbolos". Surpreendentemente, crianças Waldorf apreendem primeiramente à parte difícil sem se darem conta disso! Eles vivem as histórias, criam imagens interiores, e compreendem as palavras. Então vem a parte fácil: aprender a decodificar letras, que não são mais estranhas e abstratas, e ler as palavras escritas.

O primeiro livro que minha filha Anna leu, quando finalmente aprendeu a ler na escola, não foi uma cartilha chata, mas um belo conto de E. B. White "A Teia de Charlotte-Web". De fato, ela aprendeu a decodificar mais tardiamente que seus colegas que freqüentavam a escola convencional. Mas ela aprendeu a ler fluentemente, com compreensão e prazer, muito mais cedo que a maioria deles. Preste atenção nos dramas sofisticados e poemas que leem os alunos Waldorf das séries mais avançadas. Preste atenção a uma peça de Shakespeare apresentada por crianças da oitava série e você verá a sabedoria da didática Waldorf em relação à leitura.

Utilizando um verdadeiro conhecimento do ser humano, uma real compreensão dos estágios de desenvolvimento infantil, o professor Waldorf é capaz de educar com métodos que permitem o desabrochar prazeroso das crianças. Como Rudolf Steiner diz, "É inteiramente real o fato de que o verdadeiro conhecimento do ser humano pode soltar as amarras e libertar a vida interior da alma e trazer o sorriso a nossas faces".

- Texto baseado no livro de Rudolf Steiner, "The Kingdom of Childhood". Introductory Talks on Waldorf Education Anthroposophic Press, 1995, p. 23 2 lbid, p. 22.
- Parte do Texto é da Revista Renewal: Spring Summer 2000, Volume 9 Number 1.


*Lílian de Almeida Pereira Bustamante Sá. Pedagoga e Psicopedagoga com Formação em Pedagogia Waldorf, Arte-Educação e Socioterapia

domingo, 29 de abril de 2012

Cultivar ritmos, colher saúde

Por Dra. Zélia Beatriz Ligório Fonseca

A autonomia mental do ser humano moderno, fez com que ele se afastasse dos ritmos saudáveis seguidos na natureza. Em conseqüência, após anos de agressão ao seu mais íntimo mecanismo de regeneração, equilíbrio e preservação, todo o sistema entra em colapso e surgem um grande número de enfermidades, fraqueza e desânimo. Se, no entanto, seguirmos conscientemente os ritmos mais importantes, podemos gerar em nosso organismo a capacidade de adaptar-se e agüentar de forma menos danosa as exigências do mundo atual.

“O ritmo repete processos semelhantes em situações análogas comparáveis.”

Tomemos a respiração como exemplo, se cronometrarmos, nenhum movimento respiratório será idêntico ao anterior em profundidade e duração. Mas não podemos negar a semelhança entre eles. Nesse processo, extremos como movimento e repouso são compensados ritmicamente. Ritmos compensam polaridades.


Os ritmos são a base de qualquer processo de adaptação. Como uma repetição rítmica nunca se iguala à primeira ação, mas representa uma “folga sutil” em torno de um valor médio, temos que os processos rítmicos se caracterizam por uma adaptabilidade flexível. Se olharmos um compasso musical, temos neste uma rigidez e inflexibilidade, sem capacidade de compensação.

Tudo que ocorre com ritmo e periodicidade tem um gasto de energia menor e promove formação de hábitos (veja o exemplo dos jovens que estudam diariamente e aqueles que só estudam na véspera das provas).

Habituar-se a seguir horários para as refeições, para dormir, para trabalhar e descansar ordenados de maneira rítmica faz o indivíduo ter condições de suportar os compromissos da dura vida cotidiana.
Não ter ritmo, seguir as situações externas e guiar-se apenas pelo momento levará qualquer um ao esgotamento, faltará flexibilidade para a adaptação e a força necessária para perseverar.

Qualquer repetição feita conscientemente fortalece a vontade e aquele que tem a vontade forte tem mais chances de um bom desempenho. Pensem nisso quando olharem para os bebês e deixem que eles se esforcem sozinhos para aprender a virar, a sentar, a ficar de pé e a andar. Nada de colocá-los sentados antes dos 6 meses de vida, ou colocá-los num andador que deixa seus músculos fracos por falta do engatinhar e do acocorar-se antes de andar.

O ritmo diário
O homem apresenta vários ritmos diários intrínsecos (circadiano de 24 horas) como o ritmo da curva de temperatura (pela manhã 0,5°C mais baixa que à noite), a oscilação diária do nível de glicose no sangue, também os hormônios. A falta de ritmos externos pode alterar consideravelmente esses processos gerando stress e doenças. Mas se seguirmos da maneira mais regular possível a alternância entre períodos de alimentação e pausa alimentar, atividade e sono, trabalho e descanso, deixamos nosso dia ritmado e saudável.

Quando queremos deixar bem marcado o ritmo noite-dia nas crianças, o melhor é que o se levantar e se  deitar ocorram sempre à mesma hora e acompanhados por um cuidado especial como uma canção de bom dia, ou um bom dia ao céu e às nuvens (ou à chuva). Para dormir uma canção de boa noite, um verso ou uma pequena oração. A perseverança do adulto fará com que a criança, no decorrer de semanas ou meses, vivencie com maior nitidez a diferença entre dia e noite.

O ritmo semanal
Culturas antigas dedicavam cada dia da semana a um planeta, que por sua vez imprimia àquele dia suas forças arquetípicas. Ainda hoje, muitas línguas preservam esse passado. Cada dia da semana tinha também seu cereal.

Podemos criar um ritmo com qualidades atribuídas a esses planetas ou preparar pratos com o cereal do dia.
Por exemplo, Polenta, angu ou broa no sábado. Macarrão (trigo) no domingo, etc.

Rudolf Steiner descreveu de forma apropriada para o homem da atualidade a “Senda das oito sabedorias” do Buda. Para cada dia da semana há uma tarefa especial a ser exercitada. No sábado o cuidado especial da vida de representações, no domingo a tarefa do juízo correto, na segunda-feira o cuidado consciente com a conversa e como lidar com a palavra, na terça-feira a atenção na maneira de agir (agir corretamente), na quarta-feira o encontro do ponto de vista correto na vida, na quinta-feira a avaliação correta das capacidades de força e de trabalho próprias, finalmente na sexta-feira a aspiração a aprender o máximo da vida. (Ver ”O evangelho segundo Lucas: considerações esotéricas sobre suas relações com o budismo” - R. Steiner, Ed. Antroposófica).

O ritmo mensal
Toda pessoa que já passou por alguma doença um pouco mais grave que um resfriado, vivenciou a fraqueza e a diminuição de suas capacidades por no mínimo um mês. Uma depressão, uma pneumonia, uma fratura levam o paciente a diminuir ou parar suas atividades, de trinta dias a cento e vinte dias. O ritmo mensal caracteriza-se como o ritmo da recuperação mais profunda, da formação de hábitos e da estabilização. Na pedagogia Waldorf usa-se desse conhecimento ministrando o ensino em épocas de quatro semanas.

Podemos fortalecer nossa vontade e aprimorar nossa saúde mudando hábitos alimentares por períodos de um mês. Por exemplo, não comer carne e condimentados por um mês. Num outro período se abster de ingerir qualquer produto açucarado (doces e bebidas). Os meses também têm relação com as qualidades do zodíaco, podemos meditar sobre essas características e contar estórias de fadas sobre o tema para as crianças pequenas. (Ver “As forças zodiacais e sua atuação na alma humana” - Gudrun Burkhard, Ed. Antroposófica).

O ritmo anual
Os ritmos anuais são bem sentidos na natureza. O ciclo anual das águas (meses de chuva mais constante), o período de estiagem e seca (piorando a cada ano), verão e inverno.

A Drª. Michaela Glocker, no seu livro “Consultório Pediátrico”, diz que quando uma pessoa fica por mais de um ano no mesmo lugar, ou seja, quando experimenta uma mesma estação pela segunda vez, então ela se sente em ‘casa’. Permanecendo mais de sete anos, instala-se na pessoa, um sentimento pátrio. Seria então condizente com uma boa tradição lembrar-se de eventos históricos sob a forma de datas comemorativas.

As festas do ano são uma oportunidade de trabalhar com conteúdo de profunda meditação e desenvolvimento interno. As crianças devem receber esse conteúdo na forma de imagens, pois ainda não tem maturidade para ‘digerir’ essas informações de forma consciente.

Podemos verificar que crianças de famílias que cultivam adequadamente as festas anuais, parecem desenvolver-se com mais harmonia e confiança perante o mundo, se comparadas com crianças cujas famílias seguem tradições sem qualquer convicção interior ou simples nem seguem as comemorações.

É importante que os adultos se esforcem para conter internamente o verdadeiro significado da festa e não sejam meros organizadores. Essa postura faz toda a diferença no próprio espírito da festa.

Fonte Consultada:
GOEBEL, W. e GLOCKLER, M. Consultório Pediátrico. Editora Antroposófica. São Paulo, 2002.

Artigo extraído em: http://alumiar.com/educacao/39-antroposofia/683-cultivarritmoscolhersaude.html